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-Obrigada, viu? Mas isso é para cachos lisos como os seus, falou minha ex sogra quando lhe dei um creme para pentear numa visita dela aqui na Argentina.
Cachos lisos? CACHOS LISOS?, pensava eu. Parece que ela conseguiu ver o desconcerto nos meus olhos. Não conseguia entender esse oxímoro.
-É, meu cabelo é cabelo ruim.
Finalmente entendi que o cabelo crespo é totalmente diferente do cacheado. Mas, por que ela o chamava de RUIM? Eu realmente fiquei chocada quando ela falou isso. Como é que alguém pode chamar de ruim uma coisa do seu próprio corpo?
Ela, brasileira, negra, de cabelo crespo sempre tinha alisado seu cabelo. Fazia só um ano que decidira começar a aceitar utilizar seu cabelo natural.
Autopercepção, preconceito racial, racismo
Fiquei com aquelas palavras na minha cabeça e fui pesquisar. Cabelo ruim era uma expressão comum para denominar os cabelos crespos. E pior ainda, encontrei outras:
Fiquei com aquelas palavras na minha cabeça e fui pesquisar. Cabelo ruim era uma expressão comum para denominar os cabelos crespos. E pior ainda, encontrei outras:
➜Cabelo duro
Tem uma música muito conhecida que utiliza uma dessas expressões.
"Olha nega do cabelo duro
Que não gosta de pentear
Quando passa na Baixa do Tubo
O negão começa a gritar
Pega ela aí? Pega ela aí?
Pra que? Pra passar batom
Que cor? De violeta
Na boca e na bochecha"
➜ Bombril.
Supostamente porque essa esponja parece com o cabelo crespo.
Essa empresa, por incrível que pareça, tinha lançado uma marca chamada Krespinha. Porém, ano passado tiveram que anunciar a retirada dessa marca de esponja de aço após ser acusada de racismo nas redes sociais. Bombril retira 'krespinha' do mercado: acusações de racismo fazem marcas reverem produtos
Todas essas expressoes são negativas? Por quê?
Cabelo e racismo
Se a gente parar para pensar, a resposta é um pouco óbvia, e tem a ver com o preconceito racial. O cabelo crespo, sendo uma característica da identidade negra, é marcado por um processo de rejeição e preconceito. Além disso, "as mulheres negras passam também pela pressão de um padrão de beleza norte-europeizante imposto pela sociedade. As opressões vivenciadas, além da autoestima prejudicada, influênciam na decisão de transformação e alisamento do cabelo com produtos químicos".
O negro e o cabelo estão tão relacionados que,na África do Sul, existiu um teste feito com um lápis para determinar a identidade racial durante o Apartheid.

Nesse "teste", um lápis era passado pelo cabelo da pessoa. A facilidade com que saía determinava se a pessoa "tinha passado" ou "falhado". Assim, distinguiam-se os brancos de mestiços e negros . O teste foi parcialmente responsável por dividir as comunidades e famílias existentes ao longo de linhas raciais.
Usar o cabelo natural, não é somente resistir à imposição hegemônica, é também um processo de resgate da ancestralidade, da descoberta de si mesma e de aceitação de quem é.
Hoje em dia tem vários movimentos para a aceitação dos cabelos e até eventos são realizados como o Encrespa Geral que acontece em 21 cidades no Brasil e no mundo.
Concientização
Eu, argentina, branca, de cabelo cacheado (liso) era totalmente ignorante nesse assunto. Nunca fui criticada pela minha cor, pelo meu nariz, pela minha boca, pelo meu cabelo. Mas muitas das mulheres que passaram pelo processo de alisamento do cabelo, passaram por conta de um contexto histórico e de um racismo estrutural.
Fundamental é trabalhar o tema com as crianças. A beleza não precisa de padrões. Elas devem aprender a amar o seu cabelo do jeito que ele é. Porque desse jeito é simplesmente maravilhoso. Fundamental é também a representatividade. Cadê as princesas negras de cabelo crespo? Bonecas? Protagonistas na TV?
Fontes:
https://factrepublic.com/facts/4603/
Teste de lápis (África do Sul) - https://pt.qaz.wiki/wiki/Pencil_test_(South_Africa)
https://www.iesb.br/institucional/noticia/tcc-aborda-contexto-historico-por-tras-do-alisamento-do-cabelo-crespo
https://www.iesb.br/Cms_Data/Contents/Portal/Media/arquivos/TCCs/TCC-Layse-Barros-dos-Santos-A-Ditadura-dos-Cabelos-Lisos.pdf
https://ceert.org.br/noticias/participacao-popular/5453/movimento-a-favor-dos-cachos-prioriza-a-autoaceitacao
https://www.iesb.br/Cms_Data/Contents/Portal/Media/arquivos/TCCs/TCC-Layse-Barros-dos-Santos-A-Ditadura-dos-Cabelos-Lisos.pdf
https://ceert.org.br/noticias/participacao-popular/5453/movimento-a-favor-dos-cachos-prioriza-a-autoaceitacao